Deslizo pelos picotados papéis da minha escrivaninha
Em bagunça e enredo
eles fazem todo o sentido e estão ali me lembrando
que as horas não são minhas
Sou delas
— como cada mulher que encontro —
Sempre arrastadas pela amargurada tirania do endireitamento:
Arruma esse jeito
Arruma um marido
Arruma a casa, a pia, o chão, o leito!
E aproveita para arrumar os peitos.
Ajusta cada milímetro do tudo
e quando ninguém mais souber onde começa e onde termina,
ouça as perguntas,
desenhe as respostas.
E talvez você não saiba
nem um milímetro da certeza
que as pessoas esperam.
Pautas e pautas se retroalimentando
na infinitude dos pensamentos.
Mas acho que um dia eu vou acordar sem elas
Serei mais nua do que as tardes sem nuvens
e nem vou saber como cheguei a elas
Lisa, limpa e sem explicações.
Normal é: primeiro rasga
depois dói
Para nosso corpo é diferente
a dor habita em silêncio
e o rasgo é alívio
Lavamos de tinto os lençóis
e a marca estampada
na nossa cara
traz lembrança de todas as outras
que mancham invisíveis
Para cada gota, um grito
Por isso:
Míngua a lua
Sangue desce
Palavra salpica
o corpo sempre obedece