Márcia Kambeba

Márcia Kambeba

Márcia Wayna Kambeba é indígena, do povo Omágua/Kambeba no Alto Solimões (AM). Nasceu na aldeia Belém do Solimões, do povo Tikuna. Mora hoje em Belém (PA) e é mestra em Geografia pela Universidade Federal do Amazonas. Escritora, poeta, compositora, fotógrafa e ativista, Márcia percorre todo o Brasil e a América Latina com seu trabalho autoral, discutindo a importância da cultura dos povos indígenas, em uma luta descolonizadora que chama para um pensar crítico-reflexivo sobre o lugar atual dos povos originários sul-americanos.

A ESCRITA DO MEU LUGAR

Tem tom marrom o papel que escrevo
Desenho da memória
Resistência da nação
Está na ponta da caneta
No pulsar do coração

No colorido das flores
Na beleza das cores
No perfume das rosas
A esperança do amanhã

Tem cor de esperança
A pele da criança
Pintada de urucum
O sorriso da cunhantã
A sabedoria da anciã
O som do maracá e tambor.

Na batida dos pés no chão
Na roda que concentra união
Na fumaça da educação
Resistência se faz presente
Porque para ser parente
É preciso entender a batida do pé no chão

É preciso somar às lutas
Partilhar o peixe e o chibé
Ouvir narrativas
Sem perder a fé
Valorizando a espiritualidade
Pela sabedoria do nosso pajé.

INVASÃO

Antes desse país se chamar Brasil
Nossos pés esse solo pisou
O povo desconhecia
A maldade que o branco espalhou
Entre guerras, epidemias,
Genocídio, invasões, escravidão
O Brasil nascia.

Nos olham como entrave para o progresso
De um país que vive um retrocesso
A natureza poluída e violentada
As aldeias continuam entre a cruz e a espada
Invadidos pela bala da ambição

Garimpo ilegal?
É ameaça anunciada
O medo invade os corações
Desmatamento por madeireiras
Os peixes agonizam na devastação
E o progresso avança envenenando a nação.

Estamos no século XXI
Vivemos pelas calçadas
Expulsos de nossas terras
Que em pasto foi transformada
Rios secaram, barragens foram criadas.
A canoa do meu sagrado
Na memória foi ancorada.

CURUMIM DO RIO

O pulo no rio
Encontro milenar
Do menino com o encante
Conversa, sintonia, saberes
Exemplo para se espelhar

Simplicidade que se vê
Esperança que se renova
Amor que compartilha
Solidariedade que se comprova
No abrir e fechar das mãos
A vida se renova

Ora está aqui, ora acolá
Cuida dos que precisam
Da natureza que é nosso lar
Da terra que em nós se faz presente
No abraço de parente em parente.

Eu vi o menino do rio
Rodopiando como boto
Se encantando com a Iara
Numa noite de luar

Convidando toda a gente
Para cuidar e preservar
A terra e o planeta
Herança do criador
Terra santa, nosso lar.



MEU VELHO

Ouvi uma voz suave
Me dizer palavras de amor
Ensinos que guardo na alma
Cantigas de alegria e dor

Na voz cansada o valor
Nas mãos calejadas o saber
Conte meu velho suas memórias
Na folha vou escrever

Com tintas de jenipapo
Urucum, vermelho para ver
Que na soma de nossas forças
Resistência vamos aprender

Abraçando uns aos outros
Esse é o tempo de aprender
Conte meu velho suas memórias
Seu legado vou defender
Ser ponte e estrada
No caminho do bem -viver.


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