Simone Teodoro
Simone Teodoro
Simone Teodoro é mestra e doutora em Literatura Brasileira pela UFMG. É poeta. Há textos seus publicados em revistas literárias eletrônicas brasileiras, como Mallarmargens, Germina e na portuguesa Incomunidade. Publicou também nos jornais Suplemento Literário de Minas Gerais, rascunho e O Relevo. Participou da exposição Poesia agora, que esteve em cartaz no Museu da Língua Portuguesa em 2015. Participa das antologias Urbanas (Desconcertos, 2018) Poesia Gay Brasileira (Editora Machado, 2017), A Resistência dos Vagalumes (Nós, 2019), Entrelinhas, entremontes: versos contemporâneos mineiros (Quixote + Do, Editoras Associadas, 2020), As mulheres poetas na Literatura Brasileira ( Arribacã, 2021) e Antes que eu me esqueça/ 50 autoras lésbicas e bissexuais hoje ( Quintal Edições, 2021) e Sans la mer, le mot: Anthologie de poétesses brésiliennes contemporaines ( Le Poisson Volant, 2021). É autora dos livros de poemas Distraídas Astronautas (Patuá, 2014) Movimento em Falso (Patuá, 2016) e Também estivemos em Pompéia ( Patuá, 2019).
BRUMA
Repousa o incêndio
da tua mão
neste lugar
de onde outrora
escapou meu primeiro sangue
com dor e um grito.
Repõe o lírio e o lume
na turva coroa de estrelas
cravada em minha testa.
Pássaro de doçura e sândalo.
Ó tu
gestada na espuma
quando alguma coisa salina
já me sonhava.
Como inclinar minha sede
para beber teu coração
em uma taça sagrada?
Ó ave de quartzo
queimando na extremidade azul
do finito dia.
Tu vieste.
Agora meus cantares são de ninho
e o caminho é todo árvores.
Teu cheiro úmido de raiz.
Sombra mordida
pelo sol da manhã.
JARDIM
No ano em que o Planeta
teve febre,
uma janela talhada no vento.
Um jardim.
Tua voz em clave de mar,
em pauta de sal e sol.
Do teu verbo brotavam
Raiz e Substância
Espadas de São Jorge
nos prolongamentos dos teus dedos,
de hortelã
ramos emergiam de tua garganta,
orquídeas
em penca
pingando dos olhos.
No ano em que o Planeta adoeceu
Uma janela na tua voz de hortelã
Um vento no teu verbo de orquídea
Ramos de olhos em tua clave de São Jorge
Um jardim talhado na tua substância de espada
atravessando minha febre
e a desordem do mundo.
IDEOGRAMA
O dom
que você tem
de dedilhar navios
na catástrofe ancorada em minha boca
ainda mais
se vem por cima
desenhando acordes nas minhas quedas
sua mão na minha fratura:
arcanjos cavalgando ritos
num ângulo agudo
de parusia
morro de saudade
apesar
da sua voz tatuada
na substância do meu osso
meu amor,
venha logo
deslocando os ventos com seus ideogramas de chuva.
Tenho pressa.
ALQUIMIA
Dois mil quilômetros
entre
o desejo perfumando tua boca
e a dança sutil
do deus encarnado
em minhas ancas.
Por baixo da pele alquímica
línguas e ovários
transfiguram elétricos peixes.
Nunca mais
estremecer
ante o rugido de breu do mar
em uma esquina
de nome solidão
(todas as lâmpadas dos postes em curto)
Onde as tochas
nos olhos dos gatos
sonhavam sussurrar em minha sombra:
Tudo bem
Tudo bem.
INFÂNCIA
Cães bocejavam
na minha solidão
Mãe embriagada
fervia água para
ferir o pai
Eu desligava o fogo
Ela tornava a acender
Tão triste ter de me equilibrar
entre duas dores
a dela, de mulher traída
a dele, que eu pressentia
com cheiro de couro queimado e tudo mais
Eu desligava o fogo
Tão triste
O bocejo dos cães no meio dia das panelas vazias
e a morte dentro do olho de cada um
Esperar com fé pelo arrebentar de luzes
do fim da tarde
entre eucaliptos
e o cheiro das mamoneiras que eu
macerava pra sentir o sumo
Como se cheiro de tempero fosse
Juba era o nome
do nosso coelho
que virou jantar
vocês se lembram?
A carne ensopada do Juba
que eu vomitei no chão da sala
Eu desligava o fogo
da panela de sopa
mas o coelho já havia morrido
nossa carência de proteínas, não
Esperar com fé
o dia em que tudo ficaria bem
Eu desligando o fogo desligando o fogo
desligando para sempre o fogo
Meu coração triste de uma ternura inata
e do equilíbrio entre as dores todas, de todos eles
e o sol
explodindo entre os eucaliptos
com cheiro e tudo o mais
Como se tempero fosse
Como se cheiro de tempero fosse