por que me odeiam? por que me evitam?
por que me batem? por que nos matam?
eu tenho sangue, eu tenho ossos, eu tenho carne
eu tenho um corpo, eu respiro, eu vivo
eu penso, eu falo, eu estudo, eu trabalho, eu consumo
eu tenho direitos
sempre que acordo penso em morrer
aos poucos apagam minha alegria de viver
são tantas pedras que não sei mais se vale a pena me proteger
sexo, desejo, identidade, gênero, orientação
nada disso nos reprime
moral, atraso, política, violência, religião
tudo isso nos oprime
o mundo é diverso, a vida é plural
coexistir não pode ser tão difícil assim
há muitos tons de azul, há mais flores que o jasmim
se minha sexualidade ofende, se meu comportamento agride
o problema pode não estar em mim
por que me abusam? do que me acusam?
de querer ser livre? de sair sem medo? de poder sonhar?
nós somos muitas cores e muitas letras
sempre existimos, sempre sofremos
evitados, segregados, condenados, confinados
trancados, queimados, usados, violentados
não queremos muita coisa, não impomos nosso jeito, nosso leito
só exigimos o que vocês sempre tiveram por direito
o mínimo necessário de respeito
vocês
sim, vocês aí
que ecoam bordões, que destroem reputações
maltratam, ofendem, agridem, matam
sem conhecer
sem entender
sem perceber
o ser
que está antes do parecer
é tudo negação, rejeição, perseguição
verdadeira obsessão
ódio gratuito, desrazão, religião
e muita hipocrisia
antropofobia, sociopatia
a natureza definha, agoniza
a vida se esvai, pessoas-números invisíveis
desgovernos insensíveis
a política corrói
a economia destrói
e vocês, cidadãos de bem
ocupam-se, arrogantes, ignorantes
da sexualidade alheia
fechando os olhos em negação
para a própria realidade
a vestal com a vizinha do lado
o machão com o personal sarado
vejo vocês no banheirão
observo vocês no carnaval
cumprimento vocês no bacanal
atendo vocês no hospital
o problema não é o que fazem
isso demanda respeito
o problema é como agem e reagem
puro preconceito – medo? recalque? despeito?
é preciso ouvir os sinais
ler os avisos
bastante precisos
o mundo mudou, descongelou
e não tem volta
o rio segue em frente, em leito ardente
ignorando sua ultrapassada, injustificada revolta
não importa quem sou
ou aonde vou
apenas crio versos
diversos, inversos, adversos, controversos
sou arte, sou álcool, drogas, lágrimas, puro sentimento
sou amor, crítica, palavras e atrevimento
vejo vocês na missa de domingo
na saída do bingo
eu só registro, disseco, analiso
descrevo em poemas retorcidos
o que vocês fazem escondidos, enrustidos
coisas boas, coisas ruins, amor, paixão, sangue, sêmen e afins
com alguém.
amém.