animais selvagens resignam-se
a estimação. no crespo
dos desejos, acariciamos
cascos, alvejamos
crinas, lhes damos o de beber.
no desprezo pelo clamor de rios,
testemunhamos o rumor de abates,
lustramos binóculos, ajustamos lentes,
perfumamos cenários – e os acolhemos
expropriados da fratura de latitudes,
iludidos de que dormir com a onça
não,
isso não é uma brincadeira –
foi o que se disse quando zombamos
dos acampamentos, descrentes ainda
quanto a notícias sobre o medo
dos nascedouros, dos circuitos
de bala e sangue, do rolê das que rastejam.
quando se sonha, ri-se do lustre
das sanguessugas sem saber, mire,
da indiferença das fronteiras forjadas.
*
esquema melódico dos bem-te-vis: duas notas breves e uma longa; uma breve e uma longa; uma longa. poemática dos anfíbios: sinfonia alheia a cemitérios. silvos nas moitas auxiliam rabos de iguanas a chicotearem cães que as julgam lacônicas. com suas caixas fonadoras, guaribas acrobatas perseguem homens por sobre copas. das tarântulas somente alguns insetos apaixonados ouvem o som. o ferrão das arraias não é acionado se os pés arrastam pelas areias da margem. cruzamento de caixas jbl obriga cigarras a organizarem batalhas às segundas-feiras. posto que não aprenderam a rimar, algumas cobras optaram por viver em depósitos de carros roubados. segundo levantamento ictiológico, tucunarés criados em cativeiro são sensíveis a música gospel. numa leitura cerrada da poética dos búfalos marajoaras, há de se considerar o fato de terem sido inscritos por ghostwriter de gosto duvidoso. única transcrição encontrada de um camarão de rio é um verso póstumo que diz: sal é para matar caramujos.