Apresentação

Estão servidos? — Neuzi Barbarini

Ato banal, necessidade básica, prazer, pecado, isso é comer. Tem a ver com manutenção da vida - mesmo que tentem (e tentam) - ninguém vive (nem sobrevive) sem comer. Mas tem a ver também com a morte. Pelo excesso ou pela falta morre-se, mata-se, e também se domina o outro, o pobre, o faminto. 

O faminto dobra o lombo ao seu algoz, mas também transgride - o ladrão de comida é um fora-da-lei – mas transgride-se também pelo prazer, pelo excesso. Quando em excesso, o comer é pecado, e pecado capital, pai de outros vícios e exige controle, moderação. Comer pode, mas sem exageros. Comida é contradição.

Comida é dominação. Há uma indústria que nos diz o que comer, que sutilmente ou descaradamente, nos induz a comer o que interessa aos donos do poder, fazendo com que se deixe para trás as diferentes práticas do comer dos povos. A complexa linguagem do comer se resumindo a um combo de hamburger e batatas fritas para muitos e às iguarias gourmets, cheirosas e saborosas, para poucos, mas também elas obedecem aos cânones do mercado. Comida é moda.

Comida é ética, escolhas, certo, errado, ou os dois juntos. Mediado pelas suas crenças, o comedor é um julgador. Kosher? Carnívoro? Vegano? Hinduísta? Adventista? Comer é religião e como tal produz interdições, “O que come não despreze o que não come; e o que não come, não julgue o que come; porque Deus o recebeu por seu.”(Romanos 14:3)

Comida é encontro, sociabilidade, experiência social. Platão nos deleita com um banquete, e nele traz as regras do amor, da amizade, do companheirismo. A comida insere o sujeito na comunidade com a transmissão de modos de ser, de comportar. Comida é discurso público, e, portanto, política.

Comida expande horizontes. Cruzadas e navegações carregaram os cheiros e sabores das especiarias para um ocidente insípido. Viaja-se para comer, viaja-se comendo. A exploração de cheiros e sabores estimula a imaginação, excita, desperta, e, por mais que os especialistas tentam transformar a comida em nutriente, ela será sempre a velha e boa comida, atiçadora de sentidos. Comida é estética, é beleza, é poesia.

Estão servidos?


Neuzi Barbarini.
Psicológa, Professora.
Uma mulher comum que escreve poesias.
Poeta. Autora de Inventário (Patuá, 2019).