Lua Pinkhasovna

A Fome Tem Endereço

Engana-se quem pensa que a fome nasce na boca, nos estômagos ou na mente,

alguns intuem, quase certeiros, que a mesma nasce nas calçadas de terra, nos casebres, descendo vielas, favelas, até mesmo nas encostas de morros, mas ela nasce mesmo é nos dedos

Nos subúrbios dos vácuos estomacais, constringem-se as dores da miséria, 

cravadas em quem leva a vida repetindo diariamente aos filhos em meio ao afago das mãos um lastimável e doloroso: — dorme que passa! — ao urgir da fome,

sendo palavras suficientes apenas para encher os ouvidos mas jamais abrandar a dor do jejum imposto

Os campos abarrotados gritam, dizendo não serem culpados e que seus solos são ricos e generosos, pois não lhes contaram o trajeto percorrido por cada um de seus alimentos

 que chega majoritariamente apenas a quem já possui o estômago com tecidos irrompendo, e as sobras de ossos, jogadas ao lixo, com um fiapo de pele, gordura grudada, sem um resquício de carne, tornam-se comida, quase tão mais viva, que os corpos que as recolhem

Nas mãos portando canetas, a fome passa pelas unhas, circunda as páginas inertes, e mesmo assim rasura vidas deixadas à própria sorte por quem tem na ponta dos dedos

as arestas para construir o mundo, mas empanzinado de si mesmo, arquiteta milimetricamente castelos ególatras e distantes pontes intransponíveis

 mesmo tendo o poder de mudar o mundo, destina a fome a algum endereço 

Desvelando assim, o segredo de que a miséria é a maior fonte de enriquecimento

 e a fome é negócio, hegemonia, eugenia, preguiça, descaso, sadismo, descompasso social cientificamente pensado por quem prospera no caos 

Enquanto eu sigo tecendo poesias, para almas alimentar, nos mais altos escalões soberbos há inúmeros empanturrados sem nunca atingir a saciedade moral de entender que em muitas casas, o prato vazio é o principal.