“A gente se conhece de algum lugar?”
“Acho que da página 3, no primeiro parágrafo.”
“É lá que eu me sento do seu lado, no cinema?”
“Sim, é lá que você pede gentilmente para moça do meu
lado esquerdo desligar o celular.”
“E a moça do celular aproveita e canta você.”
“E eu descubro que ela não é sua namorada.”
“E ela, percebendo que perdeu a cantada, troca de lugar
comigo.”
“E você aproveita, na metade do filme, para segurar minha mão."
“E quase no fim da sessão a gente se beija.”
“E o que acontece na página 116?”
“Você volta para sua mulher, vocês anulam o divórcio.”
“E o autor esquece o manuscrito numa praça do Centro da cidade, vem a chuva, passa um catador de lixo, as páginas ficam duras e borradas, depois da número 250, e aquele
homem, inconformado com o que não saberia dali em diante, inventa que a gente se reencontra após vinte anos, e não se reconhece, mas não esquece a página de número 3."
“Como o catador se ateve a essa página?”
“O autor grifou dizendo que precisava reescrever aquele começo."
Ao meu amor não presenteio
com perfume,
dou Água de Esquecimento.
Pra apagar
o mundo lá fora
e lembrar
o nosso cheiro.