Toni Roberto da Silva

A ÚLTIMA SERENATA

(a Nicolly, travesti morta a tiros em dezembro de 2018)


Se alguém tivesse parado para ouvir a sua voz, 

Teria ouvido muito mais do que um grito de socorro aprisionado no peito.

Teria ouvido, entre as incertezas do seu dia, o canto abafado – porém belo – 

De alguém que, com as últimas forças, sorria para o implacável julgamento dos tolos. 

Saberia dos seus planos, seus sonhos, sua vontade de abrir mão de estar à margem,

Do medo de ser jogada no abismo por aqueles que decidem quem deve viver. 


Tudo o que importava era a melancólica melodia da sua voz. 

Tudo o que importava era ouvir a queixa de quem já estivera nas mãos enrugadas da morte. 

Ninguém ouviu. 

Tua voz, tal qual réquiem pra si mesma, pediu ao mundo por socorro. 

Mas onze estampidos, percussão macabra, cruel e injusta, 

Foram o último verso da canção da sua vida. 


E por não a ouvirmos, os tiros continuam.