por aí
tão civilizados, tão modernizados, tão avançados, tão ilustrados
tão letrados, tão abastados – tão respeitados
por aqui
tão explorados, tão maltratados, tão abandonados, tão ignorados
tão combalidos, tão destruídos – tão esquecidos
somos antigos, não primitivos
chegamos antes neste lugar, temos direitos por que lutar
somos seres ancestrais, nosso pouco sempre foi mais
um dia, o mar vomitou invasores
exploradores, estupradores, destruidores
depois de séculos nos tornamos invisíveis
não existimos, sobrevivemos em condições horríveis
não temos terras limitadas, respeitadas
trouxeram doenças, miséria e genocídio
impuseram crenças, obrigações e sacrifício
somos arrobas indolentes, vadios ineficientes
somos um fardo, um bando de atrasados
somos lerdos, atrapalhamos os negócios
agricultores roubam nossa terra, mineradores poluem nossas águas
investidores nos extorquem, governadores nos ignoram
largados à nossa sorte, só aguardamos nossa morte
nossa cultura é apagada, nossa religião é mutilada
homens assassinados, mulheres seviciadas, crianças abreviadas
até quando resistiremos? sofreremos mais quinhentos?
será que Tupã nos esqueceu?
será que nossa raça já morreu?
*
você pode me matar, me estuprar
roubar minha terra, tornar-me guerra
tirar meu sustento, sufocar meu alento
mas eu resistirei, eu existirei
por tanto tempo que seus descendentes se lembrarão
de minha existência, de minha essência
de minha extinção, de sua podridão
de sua gente assassina, de seus governos genocidas
de tudo que não fizeram, de tudo que não disseram
você me transformou em lenda, em data comemorativa
em irrealidade, quase uma nulidade
mas não conta a verdade, não aponta a insanidade
meus rios poluídos, minhas frutas envenenadas
meu espírito ultrajado, minha existência corrompida
meu povo desprezado, minha vida interrompida
você nos escravizou, você nos vitimou
mas não estamos sós nesse infortúnio
vocês roubaram negros de seus reinos
separaram mães de seus filhos
mataram, torturaram, aleijaram
e somos nós os primitivos!
indígenas, negros, mulheres, gays, desfavorecidos
nomes diferentes – mesmos sofrentes
em nome do dinheiro, do poder ou de algum deus
algo que satisfaça os egos seus
nossa vida não importa, nosso desejo não importa, nosso deus não importa
alguém deve estar vendo, o mundo tem que estar vendo
em minhas horas finais, banais, artesanais
espero que alguém esteja lendo
pois só nos resta o que gritamos escrevendo
nossos gritos mudos
para ouvidos surdos