José Manuel da Silva

Progresso


por aí
tão civilizados, tão modernizados, tão avançados, tão ilustrados
tão letrados, tão abastados – tão respeitados
por aqui
tão explorados, tão maltratados, tão abandonados, tão ignorados
tão combalidos, tão destruídos – tão esquecidos
somos antigos, não primitivos
chegamos antes neste lugar, temos direitos por que lutar
somos seres ancestrais, nosso pouco sempre foi mais
um dia, o mar vomitou invasores
exploradores, estupradores, destruidores
depois de séculos nos tornamos invisíveis
não existimos, sobrevivemos em condições horríveis
não temos terras limitadas, respeitadas
trouxeram doenças, miséria e genocídio
impuseram crenças, obrigações e sacrifício
somos arrobas indolentes, vadios ineficientes
somos um fardo, um bando de atrasados
somos lerdos, atrapalhamos os negócios
agricultores roubam nossa terra, mineradores poluem nossas águas
investidores nos extorquem, governadores nos ignoram
largados à nossa sorte, só aguardamos nossa morte
nossa cultura é apagada, nossa religião é mutilada
homens assassinados, mulheres seviciadas, crianças abreviadas
até quando resistiremos? sofreremos mais quinhentos?
será que Tupã nos esqueceu?
será que nossa raça já morreu?


*


Eu, um índio que não descerá de uma estrela

 

 

você pode me matar, me estuprar

roubar minha terra, tornar-me guerra

tirar meu sustento, sufocar meu alento

mas eu resistirei, eu existirei

por tanto tempo que seus descendentes se lembrarão

de minha existência, de minha essência

de minha extinção, de sua podridão

de sua gente assassina, de seus governos genocidas

de tudo que não fizeram, de tudo que não disseram

você me transformou em lenda, em data comemorativa

em irrealidade, quase uma nulidade

mas não conta a verdade, não aponta a insanidade

meus rios poluídos, minhas frutas envenenadas

meu espírito ultrajado, minha existência corrompida

meu povo desprezado, minha vida interrompida

você nos escravizou, você nos vitimou

mas não estamos sós nesse infortúnio

vocês roubaram negros de seus reinos

separaram mães de seus filhos

mataram, torturaram, aleijaram

e somos nós os primitivos!

indígenas, negros, mulheres, gays, desfavorecidos

nomes diferentes – mesmos sofrentes

em nome do dinheiro, do poder ou de algum deus

algo que satisfaça os egos seus

nossa vida não importa, nosso desejo não importa, nosso deus não importa

alguém deve estar vendo, o mundo tem que estar vendo

em minhas horas finais, banais, artesanais

espero que alguém esteja lendo

pois só nos resta o que gritamos escrevendo

nossos gritos mudos

para ouvidos surdos