Marcelo Luiz da Silva

massacre, II ato


porque não há escolha

já fizeram isso 

através de leis e tratados e mapas

impuseram distâncias veladas

cercaram nossa vida, aldeia do mundo

negam meu direito de posse

negam meu sangue em suas veias

impedem meu povo de existir

nossas terras devastadas, confiscadas

servem mais para o gado 

que para nossos filhos

servem de celeiro para os grãos

que nunca chegarão à nossa cuia

abandonam-nos em esquinas frias

e para nos esquentar ateiam fogo

pois é mais fácil eu não viver

assim, sobram espaço e riqueza

minha cultura reduzida a pó de minério

transformada em arte de museu

escondendo a verdade 

com a ajuda da mídia

não querem minha nudez

não querem minha língua

não querem meu canto

querem meu solo, minha lápide

querem minha mendicância

querem a favela urbana

alimentada pela cor da minha pele


o nosso hoje

1500 revisitado



*

onde estão todos?

 

cavo a cova dentro em mim

como cavam no Amazonas

as covas da dor do mundo

rasgando a terra ardente

depositando nossos mais caros entes

 

e entre dentes sofremos calados

cansados e impotentes

a falta de ar para respirar

oxigênio para viver

vergonha para seguir

 

arde nas veias o sangue ancestral

coagulado e relegado

indigno por ser pobre

ignorado por não ser nobre

sem valor por não ter cobre

 

observam as sepulturas

como se olha um pôr do sol

como se não fosse no quintal de casa

como se a vida não fosse suficiente

indiferentes e reticentes

 

esquecem-se que a doença

igualou raças, credos, culturas

instaurou a república da igualdade

onde antes coletivo

era apenas um substantivo

 

isolamo-nos no sofrimento

desapegamo-nos, desempregamo-nos

no acaso do descaso

esperamos da medicina

a salvação do corpo morto

 

no entanto, mais de meio milhão de cruzes

já cravadas na terra seca

aguardam preces, justiça

empatia, lembranças

esperança: a porta final