Anderson Magalhães

Cidade invisível 


Recito meus pensamentos em uma língua morta e sigo repetindo como um mantra pelas ruas e quadras adentro, como uma música interior a ressoar silenciosa pela solidão monumental da cidade cruz, pássaro engaiolado, ruína futurista de horizonte opressor. O céu boquiaberto sobre mim, prestes a me engolir. Sinto seu bafo quente e seco. Avanço descompassado cortando os espaços planejados, geometrizados. Em um movimento brusco de olhos, cruzo por entre blocos de concreto armado e vidro, atravessando as cortinas verdes dos jardins suspensos da decadência. Vejo passar por mim sombras, projeções cinematográficas do que sei, que revelam em suas imagens turvas o que não sei, e talvez, não se possa saber, se não por um único instante antes do esquecimento. Histórias sem autores, narrações sem sujeitos, mortos-vivos. Caminho em suspenso, desvio de mim, já não consigo me alcançar. E subo, pairando, distante, distante... de onde tudo parece pequeno, delicado como uma maquete de brinquedo, um mundo de formigas, tudo prestes a desaparecer. Nuvens, sonhos, eixos em um papel...