Edmon Neto

à distância de hectares,


animais selvagens resignam-se

a estimação. no crespo

dos desejos, acariciamos

cascos, alvejamos

crinas, lhes damos o de beber.

no desprezo pelo clamor de rios, 

testemunhamos o rumor de abates, 

lustramos binóculos, ajustamos lentes, 

perfumamos cenários – e os acolhemos

expropriados da fratura de latitudes,

iludidos de que dormir com a onça

não,

isso não é uma brincadeira –

foi o que se disse quando zombamos

dos acampamentos, descrentes ainda

quanto a notícias sobre o medo

dos nascedouros, dos circuitos

de bala e sangue, do rolê das que rastejam.

quando se sonha, ri-se do lustre

das sanguessugas sem saber, mire, 

da indiferença das fronteiras forjadas.


*


do que se ouve


esquema melódico dos bem-te-vis: duas notas breves e uma longa; uma breve e uma longa; uma longa. poemática dos anfíbios: sinfonia alheia a cemitérios. silvos nas moitas auxiliam rabos de iguanas a chicotearem cães que as julgam lacônicas. com suas caixas fonadoras, guaribas acrobatas perseguem homens por sobre copas. das tarântulas somente alguns insetos apaixonados ouvem o som. o ferrão das arraias não é acionado se os pés arrastam pelas areias da margem. cruzamento de caixas jbl obriga cigarras a organizarem batalhas às segundas-feiras. posto que não aprenderam a rimar, algumas cobras optaram por viver em depósitos de carros roubados. segundo levantamento ictiológico, tucunarés criados em cativeiro são sensíveis a música gospel. numa leitura cerrada da poética dos búfalos marajoaras, há de se considerar o fato de terem sido inscritos por ghostwriter de gosto duvidoso. única transcrição encontrada de um camarão de rio é um verso póstumo que diz: sal é para matar caramujos.