Miguel Viana

A cultura afogada nas margens da história 


Ao voltar ao lugar onde nunca estive

Quis corrigir o poema que nunca foi escrito

Mas a vontade não teve força para escapar

As paredes copiadas das que nunca se tinham erguido


Impotente na minha visita

Inspirei fundo a história em meu redor

E expirei poeiras diferentes.

As que nunca conheceram

Uma repetida dor deste meu novo ardor


Tentei defender um ataque que nunca se mexeu

Mas essa defesa não sabia como se proteger

Acho que foi aí que caí o que nunca subira

E vomitei a desigualdade que faltava ainda comer


Quis devolver o que nunca me deram antes

E repeti o que devia ter sido dito há muito tempo

Chorei a alegria que não conheceu sorrisos

Recordando as memórias carentes de nascimento


Continuo a ver tons de preto

Nos demais ouros descobertos nesta viagem

O conhecimento numa outra versão

As tintas extintas das indígenas tatuagens


Uns acharam-se mais que outros

E hoje não vejo qualquer diferença

A cultura afogada nas margens da história

Afinal vem de águas poluídas desde a nascença


*


Eu vivo para os momentos que me esqueço


Faz parte de mim, do meu eu poético

Como se de um membro se tratasse

Viver o passado, rever a construção das rugas

Seja as do meu coração seja as da minha face


Faço dos bons momentos meus

Os heróis das histórias para recordar

Dos maus, escrevo poemas que rimam

Entre os verbos desistir e superar


Mas quando divago no tempo

Sabendo que este sempre me leva a algum lado

Volto às coisas que já esqueci

E recanto com saudade um novo fado


Pergunto-me então, entre memórias e desmemórias

Se me lembro dos momentos para os quais vivi

Ou se o cérebro funciona ao contrário

E se vivo para os momentos que já esqueci


O desejo da repetição vem da lembrança

De como me senti em determinado momento?

Ou será este desejo uma esperança

De (re)conhecer a novidade de um sentimento?


De todas as vezes em que suspirei

No verão, os doces da minha mãe do natal,

Quanto daquele sabor cremoso lembrado

Era somente imaginação sem açúcar nem sal?


De todas as vezes em que visionei

O triunfo do topo da cordilheira,

Quanto desse ventorioso realmente só me sopra

Quando voltar aos penhascos uma vez primeira?


De todas as vezes em que sonhei com ela,

Com os seus beijos, abraços, calor,

Quantos destes viajaram o passado perdidos

Procurando achar o seu esquecido amor?


Como explico o esquecimento de um poema

Que mudou completamente a minha vida?

Um certo mergulho no mar em dia perfeito,

Um reencontro de amigos de esperança perdida?


Como seria se a minha memória fosse infalível

E tivesse a capacidade total de reviver?

Qual a motivação de levantar num novo igual dia?

Não... Para (re)viver eu preciso de esquecer