(aos meus avós)
um corpo de terra batida acorda de dia
sem saber as estripulias de outras formas de vida
tapeia o tempo como quem ia:
um bocejo de gato, uma partida
sonha uma lhama pela lama de Potosí ao Pantanal
deita no voo de um caburé que canta um madrigal
arquiteta um assovio no eco de um vagão de trem
corre ao contrário do tempo para abrir o armazém
meio-dia mastiga umas caras sem fome
línguas e mais línguas come
os dentes pintam telas, findam zonas
cospem caroços de azeitonas
repara pela tarde: 7 de ouros sob o assoalho
bota histórias de amor para fora do armário
cavuca o chão, planta hortênsia e manacá
carrega um caminhão de carrancas para o Ceará
monta um circo de pulgas com um cachecol remendado
transa em silêncio pela noite como quem faz bordado
cria apodos à la barroco de Cochabamba
canta zis fados sobre uma corda bamba
essas meias-visões cavalgam inteiras oniricidades
salpicam nas lavouras rios de vontade
no avesso do meu corpo, as quatro partes
memória, cariño, cuidado, saudade
deite na canga, me escute e deixe
descansar um pouco o frescobol
por entre as pedras, a onda é feixe
na areia da praia, um banho de sol
sem querer, fisguei um peixe
com minha boca de anzol
ao brotar da pele esse oceano
ouço seu corpo inteiro pulsar
estamos no meio do ano
e a linha da sua pipa corta o mar
cigano, eu não me engano
quando quiser, vou te enredar