Carla de Paiva

SOMBREADAS

os meus olhos cegos? a fome com que devoro minhas mentirasSOMBREADAS.



fome

na alma

 a penúria do vazio

transbordando em olhares secos

 frígidos.____________________

a voz desejada, mas esquecida, fingida, não dita.

a voz que poderia ser salvação________________

       abro espaço para pecar. parte que sou desse sistema cego, surdo, 

                        mudo. a minha voz engolida é aceitação?___________________

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                   adoecidos; fomos contagiados pela pandemia da inércia onde tudo se vê

                nada se sente. não cabe sentir. não cabe importar-se. não cabe estender a mão

             não cabe ser gente.a fome tem rosto, voz, idade, cor, sonho. sonho? não, a fome não      

          _______________________________sonha__________________________________

      a fome sabe que nada vale sonhar,por isso persiste no doer dentro da amarga realidade__

e a realidade é uma senhora, negra, magra, de olhos espantados,  a olhar para os lados______

e remexer no lixo de gente rica. abrindo sacolas de tons azuis, uma de cada vez até encontrar 

os restos, as sobras do que serve, não se come, é lixo_________________________________

_____________come com medo de ser vista, como se estivesse roubando

o lixo da casa branca, do carro esportivo_________________________

_____________________das pessoas que ali nunca passaram fome. 

mas a mulher sente____________________________________

e com o lixo sacia sua fome

engolindo

seus restos de sonhos.