José M da Silva

Sustento


e eis que o sustentável vira moeda de troca

modinha, marketing, politicamente correto – capitalismo abjeto

algo tão necessário transformado em ativo monetário, antiproletário

a água se esgota, o clima piora, a floresta queima

a política se embota, o ar se deteriora, o cidadão ainda resiste e teima

até no que é bom há exploração, degradação, usurpação

a indústria lucra, os negócios proliferam

declarar o sustentável reduz o imposto de renda

a saúde não importa muito, veganismo é bom e tá na moda

posar de sustentável dá like, diz o coach, te faz foda

desmatar gera lucro, o que importa é vender

terra indígena é só mais uma fonte de poder

os índios podem morrer, as índias são fonte de prazer

o país tem recursos de todo tipo

minerais, fluviais, florestais, animais – e o que se faz?

todos sabem a resposta, é sempre a mesma bosta

eu economizo água, reaproveito o que eu posso

o ambiente me importa, cuido do ar que é nosso

e o que você faz? o que fazem os demais? consomem até não poderem mais!

e eis que os desgovernos prevalecem e nossos esforços se desvanecem

desculpem o tom, mas é que a gente cansa nessa eterna desabastança

será que o pobre que come osso do lixão nos entende?

é fácil propor, difícil escolher

entre o ideal sem apoio de cima e o quase nada que embaixo é o que se tem hoje pra comer

país insustentável, mundo abominável, gente deplorável

mas e as pessoas, como eu, como você?

eu escrevo poesia, eu protesto em apatia, grito mudo

eu critico, eu grito, eu berro, eu me desnudo

mesmo sabendo que não vai funcionar, que posso não convencer

eu faço pouco, menos do que devia, do que podia, eu só tento, é meu alento

e você aí, o que vai ser?